domingo, 15 de março de 2009

Sexta-feira 13. Dia de assombração?

por2415_GilSextaFeiraTreze_gde.jpg Antonio Gil Neto

Que dia é hoje? Está mais para dia de sorte ou de azar?

Olho para fora. Calor dos mais fortes, abafado e sem presságios de chuva. Examino o calendário.Abro um pouco mais a boca de ligeiro susto e constato que este ano está bem armado de sextas-feiras 13: tivemos uma em fevereiro, temos outra agora neste março e teremos ainda outra em novembro. Maus agouros à vista. A bruxa andará bem solta... Será sinal de tempo ruim, enchentes, catástrofes? Ou será prenúncio de agravamento da crise mundial que nos assombra e nos afeta quando vamos utilizar o nosso precioso dinheirinho?

Com três sextas-feiras 13 cravadas nesse ano podemos dizer que não teremos bom ano? Ou isto é tudo é grande lorota?

Neste recolhimento reflexivo sobre este marcador sinistro dos tempos, enquanto olho através da janela a tarde esvaindo-se em pouco vento, revivo alguns rituais, atos quase imperceptíveis, que fazem parte da minha vida comum, jeitos de encará-la ou bem vivê-la. Gato preto cruzando no meu caminho: desvio ou continuo com aquela pulga atrás da orelha, atento ao que possa vir. Deixar guarda-chuva aberto dentro de casa? Nem pensar, isso pode chamar algo indesejável. Não me lembro de ter acontecido algo prejudicial por conta de tê-lo esquecido aberto no espaço do “lar doce lar”, mas o fato é que sempre cuidei para não abri-lo. Com espelho, tomo o maior cuidado para não quebrá-lo. Nas mudanças, cuido bem dele, levo-o ao colo como preciosidade. Fico cutucando em mim como seriam sete anos de azar...

Sobre essa história do gato preto, sei que na Índia, já é uma outra história. Lá seria sinal de sorte. Se fosse um gato branco é que seria de azar. Os sentidos para um mesmo fato variam entre diferentes culturas, mas o papel da superstição tem importância em todas elas.

Enquanto a chuva não vem e o calor vai aumentando, olho melhor para a palavra “superstição”, do latim supertitio, que significa o excesso ou o que sobrevive de épocas passadas. No Aurélio, dentre outros sentidos, trata-se de um sentimento religioso baseado no temor ou na ignorância e que induz ao conhecimento humano de falsos deveres, ao receio de coisas fantásticas e à confiança em coisas ineficazes.Viu só?

Todos nós estamos cercados de atitudes supersticiosas. É comum pessoas consultarem, sem compromisso e apenas por curiosidade, o horóscopo do jornal, não é? Fora consultas esporádicas ao tarô, ao I Ching ou a uma infalível cartomante que alguém bem conhece! Me lembrei especialmente da Cris , amiga jornalista, antenadíssima que usa a internet no celular para checar horários de vôos, a previsão do tempo e, é claro , o horóscopo! Ela adora estar plugada e adora igualmente o horóscopo chinês!

Estes pequenos e pungentes rituais nos dão sinais da existência de um inconsciente coletivo, valoroso e firme, guardião do mistério que envolve toda a humanidade acerca de sua origem e seu destino. Até onde pode ir o conhecimento humano? Há no espaço do pensar, sobretudo o científico, algo que escapa para ser desvendado. É o mistério que incentiva e estimula o homem a vislumbrar, descobrir, criar.

Desde os tempos do homem das cavernas ainda repetimos atos espontâneos e quase marotos para decifrar o desconhecido e desvelar o futuro comum, indecifrável e o inesperado. Quem é que nunca entrou na sua nova casa com o pé direito ou não bateu na madeira para isolar o azar? Muitas supertições fazem parte do dia a dia das pessoas. É algo que permanece no gerar das gerações. Que faz parte do viver cotidiano como uma das formas de melhor viver e resolver dificuldades.

Estamos todos situados num parêntese temporal, entre o nascimento e a morte e circunscritos ao mesmo destino, desconhecido e pleno de conjecturas. O que nos coloca num lugar de não-saber que fortalece o medo, mas estimula a imaginação.

Andei coletando por aí alguns desses ditos pequenos rituais: borboleta preta, sinal de morte; colher e garfo caindo, mulher e homem chegando em casa; usar roupa do avesso, chama dinheiro; sentir a orelha quente, alguém falando mal ou bem de você; colocar vassoura virada atrás da porta, a visita irá embora; passar embaixo da escada, traz azar; dormir com os pés para a porta, chama a morte; bater na madeira três vezes, afasta o azar; sentir arrepio, é sinal de que a morte passou por perto; gato preto, dá azar;ferradura presa na porta, sinal de boa sorte; se uma pessoa espirra, desejamos saúde (o espirro é uma idéia antiga de que o espírito mora na cabeça e pode ir embora com o espirro); sal grosso, evita azar, inveja, mau olhado; bolsa no chão , pode diminuir o dinheiro; mão coçando , dinheiro chegando ; se houver um objeto perdido, dar 3 pulinhos para São Longuinho...

Li num almanaque que estas são práticas presentes desde as mais antigas religiões. E você terá outras para enriquecer esta lista aleatória. Com certeza.

Desde pequenos sofremos e nos encantamos com o trovão, o relâmpago, o escuro dentre tantos outros acontecimentos triviais. O mesmo se faz com as histórias tenebrosas de terror. Repare como crianças e adolescentes quase sempre apreciam história de vampiros, assombrações, bruxas e outros personagens sinistros e que moram no além fantasioso. Presumo, nesse meio fantasmagórico que a figura da Morte, além de ser assustadora apresenta algo de curioso e provocador em nossa realidade medrosa e apavorante. Por estes dias comecei a ler um livro que havia escolhido pelo título: A menina que roubava livros. Li algumas páginas e o abandonei. Ao me dar conta de que o narrador do romance era a Morte minha leitura mudou de rumo. Retomei o livro com outro movimento. Não é uma Morte com capa negra, rosto de caveira e foice ensanguentada na mão, bem sexta-feira 13. Ao contrário, é uma figura quase humana que conta sobre o seu trabalho de cuidar do ser humano lá do outro lado do desconhecido. Você não acha isso interessante?

Cá entre nós, por que a sexta-feira e o numeral 13 se configuram em tamanha idéia de infortúnio e dia de assombração aparecer? No guia dos curiosos achei uma boa explicação, embora saiba que há outras bem mais antigas: é sexta-feira, porque foi o dia da crucificação e morte de Jesus Cristo. E é 13, pelo fato de na última ceia estarem 13 pessoas à mesa: Jesus e os 12 apóstolos. Mas, muitas vezes o número 13 é entendido como algo bom, de sorte. Na Índia, na China e no México, por exemplo, é um número religioso muito apreciado.

Acho que as supertições perduram pelo menos em boa parte por satisfazer as nossas necessidades emocionais. Fico pensando que muito do medo e ansiedade, peculiares dos seres humanos são provocados pelo fato de toda a gente morrer. E mais, por poder ser inesperada. Nesse sentido os rituais supersticiosos podem funcionar como algo razoável na obtenção imediata de algo que nos conforte ou nos console.

Há quem diga que um povo cultuador da superstição pode ser facilmente manipulado pelos seus líderes. Será isso o que nos estarrece?

Lá fora, calor e escuridão. Os fantasmas rondam. Enquanto não chega a próxima sexta-feira 13, talvez seja bom consultarmos a nós mesmos para saber até que ponto os assombramentos reavivam o nosso lado lúdico e inventivo e até que ponto ele nos paralisa, nos emburrece. Ainda vale repensar on-line a velha máxima de Hamlet, retomada pela ironia de Machado no seu conto A Cartomante: “há mais coisas entre o céu e a terra do que supõe nossa vã filosofia”.

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