quinta-feira, 2 de abril de 2009

"Caso de Pernambuco traz reflexão necessária sobre o aborto no país: até quando continuaremos com uma lei penal que impede o exercício da autonomia se

Ipas Brasil Março 2009 - Beatriz Galli, Carolina Nogueira e Ana Paula Schiamarella



Ao longo das duas primeiras semanas de março foi noticiado pela imprensa e discutido pela sociedade o caso de uma menina de nove anos que era abusada pelo padrasto e ficou grávida de gêmeos, recorrendo ao aborto legal, previsto por lei e orientado pela Norma Técnica do Ministério da Saúde.

A legislação brasileira permite o aborto em apenas duas situações: risco de vida materna e gravidez decorrente de violência sexual.

O caso dessa menina se encaixa em ambos, como confirma o médico da maternidade em que ela foi atendida: “Uma menina de nove anos de idade, pesando 36 quilos e com 1,33 metros de altura, não tem seus órgãos totalmente formados e a gravidez trazia risco de vida”[1]. Em relação ao estupro, o padrasto confirmou que abusava sexualmente dela desde os seis anos de idade e abusava também de sua irmã, deficiente física e mental.

Em razão da previsão legal, presente no artigo 128 do Código Penal, o acesso da mulher à assistência médica para realização deste procedimento constitui um direito, sendo necessário para seu exercício apenas o consentimento da mulher para realização da interrupção da gravidez. Nos casos em que a gestante é menor de 18 anos de idade, é necessária a autorização de seu representante legal para a realização do procedimento.


O mais importante para realização do aborto legal nos casos de estupro é que seja dada credibilidade à palavra da mulher, não sendo necessária a apresentação de nenhum outro documento ou mesmo o boletim de ocorrência policial para que o aborto seja realizado.

Além disso, a Norma Técnica do Ministério da Saúde (2005) orienta os profissionais de saúde a lidarem, sob a ótica da humanização, com a prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes, e dispensa a exigência da apresentação do boletim de ocorrência pelas vítimas de estupro para a realização do aborto legal nas unidades de atendimento.

Desta forma, a decisão de fazer o aborto e o atendimento prestado pelos profissionais de saúde encontram respaldo no Código Penal brasileiro e na Norma Técnica do Ministério da Saúde. Isso porque nosso Estado é democrático e laico, e as políticas de saúde são para todos e todas as cidadãs no território nacional, independente de posições religiosas.

O caso da garota de 9 anos de Recife é emblemático porque houve êxito , ou seja, ela conseguiu ao final exercer o direito previsto em lei.

Infelizmente, essa não é a realidade no Brasil. As mulheres, adolescentes e meninas vítimas de violência encontram dificuldades para ter acesso ao aborto previsto em lei, entre outras coisas, porque não existe serviço disponível no local em que moram ou, quando existe serviço de saúde que atende vítimas de violência, os profissionais de saúde se recusam a realizar o procedimento por motivos de foro íntimo ou religião, descumprindo, assim, com o seu dever ético-profissional.

Dessa forma, muitas vítimas de violência sexual ainda não têm acesso ao aborto legal, estando impedidas de exercer o seu direito previsto em lei.

Essa realidade tem correlação direta com as altas estimativas de aborto inseguro, realizado em situações precárias que se traduzem em grave problema de saúde pública. Estimativas apontam a ocorrência de 1 milhão de abortos ao ano no país. Em geral, as mulheres recorrem a meios que colocam a sua vida em risco e passam por diversos problemas decorrentes de abortos mal feitos.

No Brasil, a interrupção da gravidez ainda tem sido vista como um problema de polícia devido à nossa legislação penal de 1940 e não como uma questão de saúde pública. É urgente uma reflexão sobre a necessidade de mudar a legislação vigente em relação ao aborto, compatível com a realidade e as necessidades das mulheres.

[1] GUANDELINE, Leonardo. Menina de 9 anos estuprada por padrasto aborta. O Globo, 5/3/2009

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